sábado, 6 de outubro de 2012

Estou farto de semideuses !



                      Não é difícil depararmos com algumas pessoas querendo a todo momento demonstrar superioridade e a maior perfectibilidade de caráter possível, principalmente através de seus discursos. Tais pessoas parecem que nunca cometeram um erro na vida sequer, devido à imagem que passam e querem passar. Ela está sempre tentando manter sua pose. Talvez, por tanto tentar passar uma boa imagem ela acabe se achando perfeita! Muitas vezes tal pessoa tende também a ser arrogante. Mas essa característica, a de tentar passar uma imagem de retidão aos outros é muito comum do homem em sociedade. Ele sabe que nesse mundo a aparência é, muitas vezes, mais valiosa que a essência.
Sobre isso nos fala o poeta Fernando Pessoa (sob o heterônimo Álvaro de Campos) em seu Poema em Linha Reta. O poeta diz que sente, em meio a todos esses, que somente ele é vil e ridículo. Mas é claro, Fernando Pessoa está sendo irônico, e de forma até mesmo cômica através do poema. Veja-o abaixo.

''Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalho e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.''


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